Por Paleografia compreende-se o estudo da escrita antiga, conforme a etimologia grega da palavra: paleos (antiga) + graphein (escrita).
A palavra diplomática deriva do Latim diploma, originalmente um escrito
dobrado em dois, diplous (duplo). Diplomática é, portanto, etimologicamente, "a
ciência dos diplomas".
O termo é empregado primeiramente por Mabillon para designar a ciência que estuda os diplomas, isto é, no sentido moderno, o conjunto de documentos de arquivo que possam constituir fontes históricas: cartas, atos, tratados, contratos, registros judiciais e outros documentos oficiais que nos legaram os antepassados e, mais particularmente, a Idade Média.
Dicionários e outras obras especializadas no assunto registram vários conceitos de Diplomática, entre os quais o de Jesus Munoz y Rivero: "ciência que julga a autenticidade ou falsidade dos documentos antigos por meio do estudo de seus caracteres".
"E a disciplina que estuda a génese, forma e transmissão de documentos arquivísticos e sua relação com os fatos representados nele e com seu autor com o fim de identificar, avaliar e comunicar sua verdadeira natureza" (CENCETTI).
"E a ciência que nos permite distinguir os documentos autênticos dos falsos ou falsificados e a analisar sua tipologia" (FRANKLIN LEAL).
Objeto e Fins da Paleografia
A Paleografia tem por objeto o estudo das características extrínsecas dos documentos e livros manuscritos, para permitir a sua leitura e transcrição, além da determinação de sua data e origem.
Características dos Documentos Paleográficos
O documento paleográfico é manuscrito e pode ter como suporte papel, tecido ou matéria branda, isto é, pergaminho e papiro.
Origem e Evolução dos Estudos Paleográficos
O nascimento da Paleografia deu-se no século XVII. Na Idade Média e Renascimento, aparece razoável número de trabalhos de caráter paleográfico (transcrições, traduções, coleções de alfabetos etc), mas sem pretensões de tratados críticos e não se preocupando em estabelecer uma classificação científica ou a determinação da antiguidade das escritas.
A Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) vem provocar um intenso labor em terreno da disciplina, devido a uma verdadeira avalanche de documentos falsos e falsificados que exigem de juízes e tribunais um exaustivo trabalho de crítica. Controvérsias e polemicas ocorreram na Alemanha, Itália, França e Inglaterra sobre direitos feudais e eclesiásticos, cujos documentos depositados em arquivos particulares e nos mosteiros foram qualificados de falsos. Foi o que se denominou de "Guerra Diplomática".
A Paleografia em si surgiria logo após, como veremos. A sua história pode ser dividida em dois períodos: o de formação (fins do século XVII e primeiro quartel do século XVIII) e o de afirmação (daí até nossos dias).
Primeiro Período
Logo no início, a Paleografia confunde-se com a Diplomática. Elas vão desabrochar graças a uma polémica entre religiosos. Assim é que os padres da Companhia de Jesus haviam formado, em Antuérpia, um grupo encarregado da publicação de uma fundamental coleção sobre a vida de santos: os Acta Sanctorum. Os planos iniciais foram do padre Heribert Rosweyde (1569-1629), cabendo ao jesuíta belga Jean BoUand (1596-1665) a iniciativa da publicação dos primeiros volumes, dando também nome ao grupo que se dedicava à grande tarefa de "bollandistas". Foi seu colaborador e sucessor o padre holandês Daniele Van Papenbroek (1628-1714), que esteve em Roma, em 1661, apresentando ao Papa Alexandre VII os seus planos. Em uma viagem, tendo de permanecer em Tréveris (Alemanha), visitou arquivos de mosteiros e igrejas, constatando a existência de alguns documentos falsos.
Prosseguindo em suas pesquisas, publicou, em 1675, o Propylaeum antiquarium circa veri acfalsi discrimen in vetustis membranis (Princípios introdutórios para a discriminação entre o verdadeiro e o falso nos documentos antigos), como prefácio ao segundo volume dos Acta Sanctorum. Tratava-se de uma rigorosa crítica diplomática que impugnava a validez de boa parte dos documentos conservados nos arquivos dos mosteiros beneditinos franceses, especialmente os da Abadia de Saint-Germain-des-Prés, próxima a Paris e habitada pelos monges da Congregação de São Mauro. Assim, esta obra também dava as normas da crítica diplomática. A secular tradição beneditina ficava, portanto, abalada em seus fundamentos. Um de seus membros, D. Jean Mabillon (1632-1707) preparou a defesa durante seis anos, publicada em 1681, sob o título De re diplomática libri VL A obra refuta a de Papenbroek e foi recebida com grande admiração pelo próprio opositor, assinalando o nascimento da Diplomática e da Paleografia. Baseado em grande acervo de manuscritos e diplomas, o autor estabelece os princípios básicos da Diplomática. Nos quatro últimos capítulos, encontra-se assunto realmente paleográfico: matéria base da escrita antiga e, sobretudo, uma classificação sistemática das escritas. O trabalho é considerado o primeiro tratado de Paleografia, muito embora sofresse várias contestações de contemporâneos, por exemplo, as do Pe. Bartolomeu Germon (1663-1718) e Jean Hardouin (1646-1729), sem que, todavia, fosse afetado o seu imenso valor. Na obra de Mabillon, ainda não aparece o termo paleografia, cabendo a Bernardo Montfaucon (1655-1741), também maurino, a honra de introduzi-lo por ocasião da publicação de seu livro Pakogmphia Graeca sive de ortu et progressu Litterarum (1708). Mabillon é considerado o pai da Diplomática Moderna e também da Paleografia.
A obra de Mabillon despertou interesse em outros países, provocando o aparecimento de livros semelhantes, como o de José Perez (1688) na Espanha, o de Thomas Madox (1702) na Inglaterra e o de Johan Georg Gotfried Bessel (1732) na Alemanha.
Na Espanha, além de José Perez, destacam-se Jesus Munoz y Rivero, Augustin Millares Cario e Zacarias Garcia Villada.
Na Itália, a Ciência toma novos rumos com Scipione MafFei (1675-1755).
Ele descobriu, na Biblioteca de Verona, velhos códices com escritos de várias épocas e, em seu livro, Istória Diplomática che serve d'introduzione ali arte critica en tal matéria (Mantua, 1727), lança as bases de nova classificação, dando como origem de todas as escritas a romana, sob três formas: maiúscula, minúscula e cursiva. Desta forma, abriram-se novos horizontes para a Paleografia.
As obras de Mabillon e MafFei foram, posteriormente, revistas e completadas pelos maurinos Charles François Toustain (1700-1754) e René Prosper Tassin (1697-1777), que desenvolveram as teses de Mabillon, terminando com as discusões e controvérsias.
Segundo Período
Na segunda metade do século XVIII, os estudos paleográficos tomaram vulto e passaram a constituir cátedras universitárias.
Na Alemanha, em Gottingen (1765), foram organizados os "seminare" dirigidos pelo professor Johann Christophe Gatterer (1727-1799), que procurou classificar as escritas segundo as leis de Lineu (regna, classes, ordines, series, partitiones, genera, species). Lá, também, entre os seus sucessores, Cari Traugott Gottlob Schonemann (1765-1802) proclamou a Paleografia e a Diplomática independentes, apresentando, ainda, nova classificação para a escrita latina (maiúscula e minúscula).
Na Itália, apareceram as famosas Escolas Superiores de Paleografia em Bolonha, Florença e Milão, que datam de 1765. Destacam-se em tais centros os estudiosos: Adimari, Fumagali, Signorelli, Schiaparelli etc. A iniciativa na França, em 1821, da famosa École (Royale) des Chartes, é que dará notável incremento a tais estudos. Nesta escola, grandes estudiosos vão pontificar, inclusive Maurice Prou.
A Escuela Superior de Paleografia y Diplomática surgiu na Espanha em 1838.
A Áustria, em 1854, fundou o seu Instituto de Paleografia enquanto a Inglaterra, só em 1873, criava a sua Paleographical Society.
Finalmente é de se ressaltar três fatos importantes que caracterizam o novo período na História da Paleografia, isto é, o período moderno iniciado em fins do século XVIII e desenvolvido no começo do século XIX:
a) a Paleografia latina afirma-se como ciência distinta das outras;
b) é aplicada a fotografia na reprodução dos fac-símiles;
c) novos materiais paleográficos são descobertos, inclusive palimpsestos.
Após o final da primeira metade do século XX, a Paleografia passou a ser vista como uma técnica, com fins mais pragmáticos e objetivos, cada vez mais incorporada aos currículos universitários, deixando de ser uso exclusivo e domínio de poucos.
Divisões da Paleografia
Quanto ao Trabalho Desenvolvido, a Paleografia Divide-se em:
a) elementar: quando trata somente da leitura; e
b) crítica: quando procura deduzir informações sobre material, época, tipo
de escrita, tintas, autores etc.
Em Relação à Ciência que Apoia, Compreende as Seguintes Divisões:
a) Paleografia diplomática: que se ocupa do texto de documentos antigos;
b) Paleografia bibliográfica: que estuda géneros de letras em livros anteriores ao descobrimento da imprensa;
c) Paleografia numismática: que estuda inscrições em moedas, medalhas;
d) Paleografia epigráfica: que estuda a escrita de lápides e inscrições.
Em Relação ao Tempo em que Foram Lavrados os Documentos, a Paleografia
Classifica-se em:
a) antiga;
b) medieval;
c) moderna.
Hoje se aplicam as técnicas paleográficas a documentos contemporâneos,
desde que o manuscrito seja incompreensível à leitura.
Relações da Paleografia com Outras Ciências
A Paleografia se inter-relaciona com várias outras ciências, primeiramente
com duas que dela foram desmembradas:
a) a Papirologia, que é o estudo de documentos em papiro, especialmente de origem egípcia;
b) a Codicologia, que estuda os códices medievais, geralmente grafados em pergaminhos.
Também se vinculam à Paleografia, como ciências afins:
a) a Epigrafia, que trata das inscrições em matérias não brandas (pedra, mármore, osso, madeira, metais). Tanto a Epigrafia quanto a Paleografia se ocupam de textos. Hoje, alguns já vêem a Epigrafia como um apêndice da Paleografia;
b) a Numismática, que cuida de moedas, medalhas que costumam ter datas, fatos escritos, estabelecendo comparações;
c) a Sigilografla: que estuda sinetes, selos, lacres onde existe informação escrita. É sinônimo de Esfragística;
d) a História dos Incunábulos: que estuda os primeiros livros impressos no século XV por Gutenberg e ou precursores da imprensa.
A Paleografia serve-se de ciências que a auxiliam, ao mesmo tempo em que
lhes presta serviço. São elas:
a) a Diplomática, que nasceu junto com a Paleografia, mas que dela se separou, mais tarde, mantendo, entretanto, com ela, inúmeras relações de interdependência;
b) a Filologia, que estuda a evolução da escrita das línguas juntamente com Linguística;
c) a História que, sem o concurso da Paleografia, não poderia reconstituir registros e fatos de diferentes períodos históricos, sobretudo os mais antigos.
Enfim, estabelecendo relação direta com as gerações passadas, a Paleografia
auxilia na compreensão das antigas instituições, seus costumes, literatura, crenças,
modo de ser etc.
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