Quando a Grande Loja da Escócia foi fundada em 1736, havia aproximadamente 100 lojas espalhadas por toda a Escócia. Essas eram principalmente lojas de pedreiros, embora houvesse algumas com mistas (de pedreiros e não pedreiros) e pelo menos uma delas que não tinha pedreiros como membros fundada em 1702.
A Maçonaria Escocesa, sob a forma de A Grande Loja da Escócia enfrentou dificuldades desde o início, à medida que tentava regular os assuntos de tantas lojas independentes. De fato, o apoio ao novo corpo parecia, na melhor das hipóteses, morno. Todas as lojas conhecidas foram convidadas a participar da reunião inaugural realizada em 30 de novembro de 1736 em Edimburgo. Apenas 33 compareceram ou enviaram representantes a essa reunião. Desses, 12 decidiram não prosseguir com a filiação ao novo corpo e nunca se tornaram parte do “sistema” da Grande Loja Escocesa. Foi somente 1891 que a última dessas lojas independentes se tornou uma loja filha da Grande Loja da Escócia. Para ser aceita como corpo governante, a Grande Loja da Escócia teve que se assumir compromissos sobre muitas questões, e são esses compromissos que tornam a Maçonaria Escocesa única na Maçonaria mundial.
A nova Grande Loja da Escócia “concedeu” muito poder às lojas existentes – e ela não poderia fazer o contrário, pois tais lojas a precederam em muitos anos e já tinham tais poderes. Por esse motivo, as lojas sob a Constituição escocesa são corpos independentes, soberanos por direito próprio, e a Grande Loja tem uma relação bastante diferente com suas lojas filhas do que outras Constituições têm com as delas. Esse relacionamento, juntamente com a cultura e a história do povo escocês, garantiu que a Maçonaria Escocesa tivesse uma natureza muito diferente de outras formas de Maçonaria. Talvez estas sejam algumas das razões pelas quais a Maçonaria Escocesa é tão atraente para homens fora da Escócia.
As lojas que existiam antes da formação da Grande Loja mantinham muitas de suas práticas e tradições locais, que diferiam de um lugar para outro. Essa é uma das razões pelas quais as lojas escocesas têm o direito de compor seu próprio ritual – dentro do razoável, é claro! Não existe algo como um ritual maçônico escocês “padrão” e, em teoria, poderia haver tantos rituais quantas forem as lojas, embora, na prática, as lojas adotem um ritual existente e o adaptem às suas aspirações. Dado que todas as lojas escocesas tinham essa latitude de independência antes da Grande Loja, as lojas fundadas após 1736 esperavam – e obtiveram – o mesmo grau de independência. Isso se aplicava não só às lojas da Escócia, mas também às de outras partes do mundo, tais como os Estados Unidos da América e o Canadá, onde muitas lojas escocesas foram estabelecidas. Essa autonomia local se manifestou não apenas em amplas variações de ritual, mas também teve um efeito em muitos outros aspectos da organização da loja. A diferença mais óbvia são os paramentos escoceses, especialmente os aventais – veja a imagem acima.
Uma loja em uma parte do país pode ter usado vermelho para seus aventais e outros acessórios, enquanto uma loja no outro lado do país pode ter usado azul e laranja. Sem cores padrão impostas às lojas filhas, elas continuaram com seus designs já existentes. Por esse motivo, todas as lojas escocesas podem escolher quais cores usar para seus paramentos. As razões para a escolha da cor podem ser obscuras, mas na maioria das vezes há uma decisão consciente tomada pelos membros fundadores ao escolher uma determinada cor ou combinação de cores. Por exemplo:
A Loja Tullibardine-in-the-East No.1118 (Kuala Lumpur, Malásia) escolheu o tartan Murray porque este era o tartan do clã dos Duques de Atholl, e John George Murray, marquês de Tullibardine era o grão-mestre maçom na época em que o lodge foi fundada (1913).
A Loja Celtic No 291, fundada em 1821, usa o tartan Royal Stewart, e uma das intenções declaradas da loja era ‘promover o uso do tartan dentro da Maçonaria Escocesa’. Foi uma reação romântica – e tardia – à revogação do Lei da Proscrição de 1746,[2] que, entre outras coisas, proibira usar tartan e tocar gaitas de foles.
Tartan Royal Stewart
A escolha de um tartan para os trajes maçônicos escoceses pode, como outras cores, ser devido a várias razões, mas, como o tartan é exclusivamente escocês, várias razões específicas para sua seleção podem ser identificadas:
O uso de um tartan de clã por uma Loja localizada na área do clã.
O uso do tartan de um determinado maçom, por exemplo, o grão-mestre maçom na época em que uma loja foi fundada, ou o tartan do clã do Mestre Fundador.
A seleção de um tartan por razões “românticas”; por exemplo, um associado ao Bonnie Prince Charlie[3] – o tartan Royal Stewart.
Bonnie Prince Charlie
Os membros fundadores da loja simplesmente gostaram das cores!
O que fica claro a partir desta breve investigação sobre o uso do tartan pelas lojas maçônicas é que as lojas escocesas nunca pensaram nem desejaram ter um tartan maçônico “comum”. Em vez disso, elas escolheram deliberadamente usar tartans já existentes, pois isso permite uma enorme escolha. Isso está inteiramente de acordo com a mentalidade escocesa de ‘não padronização’ – um conceito peculiar neste mundo de conformidade e padronização cada vez maiores. A mentalidade maçônica escocesa abomina esse processo de padronização – certamente dentro da Maçonaria. Isso não é uma crítica a outras Constituições, mas simplesmente uma observação das diferenças entre a prática maçônica escocesa e aquela de outros lugares. As lojas escocesas se deleitam com suas diferenças umas das outras, e isso se manifesta visualmente pela “cor” das vestimentas. A escolha de cores, combinações de cores e o uso do tartan são evidências suficientes dessa independência de espírito. Essa independência em termos de Ritual, Vestimentas, Cores, Oficiais e Simbolismo não significa que exista uma diferença fundamental entre a Maçonaria Escocesa e outras formas de Maçonaria. Como diz um ditado coloquial escocês: “É a mesma, mas diferente”. Em outras palavras, o mundo inteiro está fora de sintonia com a Escócia – e estamos bem com isso!
Com as lojas escocesas, não apenas na Escócia, desfrutando da capacidade de expressar sua individualidade em nível de loja em termos de Paramentos, Ritual e Regulamentos (os três Rs maçônicos da Escócia), o leitor pode entender o “tremor” maçônico escocês ao pensar na ‘invenção’ de um tartan maçônico universal, pois isso anunciaria a introdução do tipo de padronização maçônica completamente estranho à Maçonaria Escocesa.
NOTAS
[1] Tartan é um tecido com um desenho consistente em listras horizontais e verticais trançadas em múltiplas cores. Os tartans originais são fabricados em lã tecida, mas atualmente são feitos de muitos outros materiais. O tartan está particularmente associado à Escócia, onde os “kilts” (saiotes) quase sempre têm padrões de tartan.
[2] Lei da Proscrição de 1746 – uma lei votada pelo Parlamento da Grã-Bretanha que entrou em vigor na Escócia em 1º. de agosto de 1746. Ele fazia parte de uma série de esforços para assimilar as Terras Altas Escocesas (Scottish Highlands), tirando dos escoceses a sua capacidade de se revoltar, e a primeira das ‘leis do Rei’ que procuravam esmagar o sistema de Clans, após o Levante Jacobita de 1745. Essas leis foram finalmente revogadas em 1º. De julho de 1782.
[3] Charles Edward Louis John Casimir Sylvester Severino Maria Stuart era o filho mais velho de James Francis Edward Stuart, neto de James II e VII, e o pretendente Stuart ao trono da Grã Bretanha após 1766 com “Charles III”. Ele tinha o direito, mas por ser católico não podia ser rei da Inglaterra. Houve uma rebelião em que os escoceses foram derrotados e um alemão subiu ao trono inglês.
zehfilardo| April 1, 2020 at 12:33 pm | Tags:Bonnie Prince Charlie,GRANDE LOJA DA ESCOCIA,kilt,Murray,Stewart,tartan| Categories:História,Maçonaria,Política,SOCIOLOGIA| URL:https://wp.me/p1poYy-2uB
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