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Foto do escritorAnderson de Castro Tomazine

O COMEÇO DE CAVALARIA - O Livro da Ordem de Cavalaria (c.1274-1276) - RAMON LLULL




1 Faltou caridade, lealdade, justiça e verdade no mundo; começou inimizade, deslealdade, injúria, falsidade; e por isso surgiu erro e turvamento no povo de Deus, que foi criado para que Deus fosse amado, conhecido, honrado, servido e temido pelo homem.

2 No começo, como veio ao mundo menosprezo de justiça devido à míngua de caridade, conveio que a justiça retornasse à sua honra pelo temor. E por isso, de todo o povo foram feitos milenaristas e de cada mil foi eleito e escolhido um homem, mais amável, mais sábio, mais leal e mais forte, e com mais nobre coragem, com mais ensinamentos e de bons modos que todos os outros.

3 Buscou-se em todas as bestas qual era a mais bela besta e a mais veloz, e a que pudesse sustentar maior trabalho, e qual era a mais conveniente para servir ao homem; e porque o cavalo é a mais nobre besta e a mais conveniente a servir ao homem, por isso, de todas as bestas, o homem elegeu o cavalo, que foi doado ao homem que foi dos mil homens eleito; e por isso aquele homem tem o nome de cavaleiro.

4 Ajustada a mais nobre besta ao mais nobre homem, seguidamente conveio que o homem elegesse e escolhesse de todas as armas, aquelas armas que são mais nobres e mais convenientes para o combate e para defender o homem das feridas e da morte, e aquelas armas o homem doou e apropriou ao cavaleiro.

5 Quem quer entrar na ordem de cavalaria lhe convém meditar e pensar no nobre começo de cavalaria e convém que a nobreza de sua coragem e seus bons modos concordem e convenham ao começo da cavalaria, pois, se assim não o faz, contrário seria à ordem de cavalaria e a seus princípios. E por isso, não se convém que a ordem de cavalaria receba seus inimigos em suas honras, nem aqueles que são contrários a seus princípios

6 Amor e temor são convenientes contra desamor e menosprezo; e por isso, convém que o cavaleiro, por nobreza de coragem e de bons costumes e pela honra tão alta e tão grande na qual lhe foi feita por eleição, e pelo cavalo e pelas armas, seja amado e temido pelas gentes, e que pelo amor retornassem a caridade e ensinamento, e pelo temor retornassem a verdade e a justiça.

7 O homem, enquanto possui sensatez e entendimento e é de mais forte natureza que a fêmea, pode ser melhor que a mulher, porque se não fosse tão poderoso e bom como a fêmea, seguir-se-ia que bondade e força de natureza fosse contrária à bondade de coração e boas obras. Logo, assim como o homem por sua natureza é mais aparelhado a haver nobre coragem e ser bom que a fêmea, assim o homem é mais aparelhado a ser vil que a mulher; pois, se assim não fosse, não seria digno que tivesse maior nobreza de coração e maior mérito de ser bom que a fêmea.

8 Guarda, escudeiro, que farás se abraçares a ordem de cavalaria; porque se és cavaleiro, tu recebes a honra e a servidão que se convém aos amigos de cavalaria. Porque quanto mais nobres princípios tens, mais obrigado a ser bom e agradar a Deus e às gentes; e se és vil, tu serás o maior inimigo de cavalaria, e mais contrário a seus princípios e sua honra.

9 Tão alta e nobre é a ordem do cavaleiro que não bastou à ordem que o homem a fizesse das mais nobres pessoas; nem que o homem lhe doasse as bestas mais nobres nem lhe desse as mais honradas armas, antes conveio ao homem que se fizessem senhores das gentes aqueles homens que são da ordem da cavalaria.

E porque no senhorio há tanto de nobreza, e na servidão tanto de submissão, se tu, que abraças a ordem de cavalaria, fores vil e malvado, poderá pensar qual injúria fazes a todos seus submetidos e a todos companheiros que são bons, porque pela vileza em que estás, deverias ser súdito, e pela nobreza dos cavaleiros que são bons, és indigno de ser chamado cavaleiro.

10 Eleição, nem cavalo, nem armas, nem senhoria não bastam à alta honra que pertence ao cavaleiro; antes convém que o homem lhe dê escudeiro e palafreneiro que o sirvam e que cuidem das bestas. E convém que as gentes arem e cavem e traguem o mal para que a terra lhe dê os frutos de que viva o cavaleiro e suas bestas; e que o cavaleiro cavalgue e senhoreie e haja bem-aventurança daquelas coisas em que seus homens são maltratados e sofrem malefícios.

11 Ciência e doutrina têm os clérigos para poder a sapiência e querer amar, conhecer e honrar a Deus e suas obras, e para dar doutrina às suas gentes e bom exemplo em amar e honrar a Deus; e para que sejam ordenados nestas coisas, aprendem e estão em escolas. Logo, assim como os clérigos, por honesta vida e por bom exemplo e por ciência, têm ordem e ofício de inclinar as gentes à devoção e à boa vida, assim os cavaleiros, por nobreza de coragem e por força das armas mantêm a ordem de cavalaria, têm a ordem em que estão para que inclinem as gentes ao temor, pelo qual temem fazer falta uns homens contra outros.

12 A ciência e a escola da ordem de cavalaria é que cavaleiro faça ensinar a seu filho cavalgar em sua juventude; pois, se o infante em sua juventude não aprender a cavalgar não poderá aprender em sua velhice. E ao filho do cavaleiro convém que enquanto é escudeiro, saiba cuidar do cavalo. E ao filho de cavaleiro convém que antes seja súdito que senhor, e que saiba servir ao senhor, pois de outra maneira não conheceria a nobreza de seu senhorio quando fosse cavaleiro. E por isso o cavaleiro deve submeter seu filho a outro cavaleiro para que aprenda a cortar e a se guarnecer e as outras coisas que pertencem à honra da cavalaria.

13 Quem ama a ordem de cavalaria convém que, assim como aquele que deseja ser carpinteiro tem mestre que seja carpinteiro e aquele que deseja ser sapateiro convém que tenha mestre que seja sapateiro, assim quem deseja ser cavaleiro convém que tenha mestre que seja cavaleiro, porque é coisa inconveniente que escudeiro aprenda a ordem de cavalaria de outro homem, mas de homem que seja cavaleiro, como seria coisa inconveniente se o carpinteiro ensinasse ao homem que desejasse ser sapateiro.

14 Assim como os juristas e os médicos e os clérigos nas ciências e livros, ouvem a lição e aprendem seu ofício por doutrina de letras, é tão honrada e alta a ordem de cavalaria que não tão somente basta que ao escudeiro seja ensinada a ordem de cavalaria para cuidar do cavalo nem para servir senhor nem para ir com ele aos feitos de armas nem para outras coisas semelhantes a estas; como ainda seria coisa conveniente que o homem da ordem de cavalaria fizesse escola, e que fosse ciência escrita em livros e que fosse arte ensinada, assim como são ensinadas as altas ciências; e que os infantes filhos dos cavaleiros, em seus princípios, que aprendessem a ciência que pertence à cavalaria, e depois que fossem escudeiros e que andassem pelas terras com os cavaleiros.

15 Se faltas não houvesse em clérigos nem em cavaleiros, apenas faria faltas em outras gentes; porque, pelos clérigos todo homem teria amor e devoção a Deus, e pelos cavaleiros todos temeriam injuriar seu próximo. Ora, se os clérigos têm mestre e doutrina e estão em escolas para serem bons, e se há tantas ciências em doutrina e em letras, injúria muito grande é feita à ordem de cavalaria porque não é assim uma ciência ensinada pelas letras e que não seja feita escola como são nas outras ciências. Logo, por isso, aquele que compõe este livro suplica ao nobre rei e à toda sua corte que está reunida para a honra de cavalaria, que seja satisfeita e restituída a honrada ordem de cavalaria, que é agradável a Deus.

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