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Foto do escritorAnderson de Castro Tomazine

Marianne - A Senhora Liberdade



Ao longo da história das civilizações, muitas deusas foram eleitas por diversas culturas, a fim de representar os mais variados segmentos, como a agricultura, a beleza, a música, etc. Durante o longo período de injustiças e conquistas, a tão sonhada Liberdade dos povos, também, carecia de uma representação divina. Com isso, em Roma, durante a segunda Guerra Púnica (218 a.C. a 202 a.C), que ficou famosa pela travessia dos Alpes, efetuada por Aníbal Barca, foi escolhida a deusa Libertas, como a personificação da Liberdade, em Roma, onde foi honrada com um templo erigido no monte de Aventine, pelo pai de Tibério Graco, conhecido por “Tibério, o Velho”.



Tempos se passaram e já no final do século XVIII, a França passava por períodos revolucionários, que se iniciaram com a Queda da Bastilha, em 1789, e chegaram até o seu ápice no ano de 1793, quando a família real francesa foi toda guilhotinada. Após o triunfo da Revolução Francesa, foi criada a República Francesa, terminando com o sistema absolutista, dando mais autonomia ao povo através de direitos sociais e com a declaração dos direitos do homem e do cidadão. A Revolução, os novos ideais, as perspectivas do povo, enfim, a República, precisava de um símbolo, de uma imagem, que personificasse aquela conquista, a tão sonhada República.

Na França, em 1830, o pintor Eugène Delacroix, pintava o quadro “A Liberdade Guiando o Povo”, passando a ser a sua obra mais conhecida, uma pintura em comemoração à Revolução de Julho daquele ano, com a queda de Carlos X. Mais uma vez, como na Roma antiga, uma mulher representava a Liberdade, e guiava o povo por cima dos corpos dos derrotados, levando a bandeira tricolor da Revolução Francesa em uma mão, e, na outra, um mosquetão com a baioneta calada. Sobre sua cabeça, um barrete frígio, que fora usado pelos libertos romanos, simbolizando a liberdade durante a primeira Revolução Francesa, de 1789-1794. Delacroix retratou a Liberdade, tanto como figura alegórica de uma deusa como na de uma mulher robusta do povo, uma abordagem que os críticos contemporâneos denunciaram como ignóbil. O monte de cadáveres atua como uma espécie de pedestal de onde a Liberdade passa descalça e com os seios nus, de lona e no espaço do espectador.

Essa mulher representa a razão, a nação, a pátria e, principalmente, as virtudes da República.

Historiadores dizem que a razão pela qual foi escolhida uma mulher para representar a República, foi que uma alegoria feminina simbolizava uma ruptura com o antigo regime autocrático chefiado por homens. Tal figura feminina, no quadro de Delacroix, recebeu um nome, cuja origem é um tanto incerta, sendo a afirmação mais aceita a de que seria a junção de dois nomes franceses muitos comuns para a época, Marrie e Anne. Portanto, Marianne, ficou conhecida por a “Senhora Liberdade”, uma espécie de deusa Libertas dos antigos romanos.

Em 1793, durante a Revolução Francesa, a catedral do Notre Dame, em Paris, foi transformada em um "templo à razão" e, por um momento, Marianne, a "Senhora Liberdade", chegou a substituir a Virgem Maria em diversos altares. Como reação, o governo procurou incentivar o culto à Virgem Maria. Essa atitude fez com que se desencadeasse uma batalha de cultos, que ficou conhecida como Mariolatria x Marianolatria. Após a “Terceira República” (1870-1940) a figura de Marianne se popularizou.

Segundo o maçom Augusto Comte, criador do positivismo, o símbolo perfeito para a humanidade seria a virgem mãe. Suas especificações eram uma mulher de trinta anos, sustentando um filho nos braços. O rosto, por ele escolhido, seria o de sua amada Clotilde de Vaux.



O quadro “A Liberdade Guiando o Povo” inspirou a construção da Estátua da Liberdade, em Nova York, cujo nome oficial é “A Liberdade Iluminando o Mundo”, uma versão maçônica de Marianne, projetada e construída pelo maçom Frédéric Auguste Bartholdi (1834-1904), que se baseou no “Colosso de Rodes” para edificá-la, e que foi doada para os Estados Unidos, por Napoleão III, em comemoração aos 100 de declaração da Independência. A estátua de Marianne, que segura uma tocha na mão, tem uma posição mais estável, ao contrário da mulher na pintura. A partir de então, não demorou para que Marianne se tornasse uma efígie da República em todo o Ocidente. Marianne é a representação simbólica da mãe pátria, simultaneamente, enérgica, guerreira, pacífica, protetora e maternal.



Hoje, os bustos da “Senhora da Liberdade”, contendo o lema da revolução, “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, podem ser encontrados em, praticamente, todos os edifícios públicos da França, além de terem sido adotados como representação gráfica da República em todo o Ocidente.

Além disso, os bustos, também, são objetos obrigatórios em todos os templos maçônicos franceses, sendo bastante comum que nele contenha outros símbolos utilizados pela Maçonaria, como o esquadro e o compasso, o triângulo com o “olho que tudo vê” e a estrela de cinco pontas, etc. Por isso, a efígie simbólica, ou seja, a ilustração que representa a República, ou seja, a “Senhora Liberdade”, Marianne, ficou conhecida, também, por “Senhora da Maçonaria”. Marianne, a deusa Libertas da atualidade, deixou de ser um ícone, apenas, dos franceses e ganhou o mundo, em especial onde os movimentos libertários foram imprescindíveis para formação de nações livres.

Em nosso país não foi diferente, onde poderemos atestar, durante o período da implantação da República, diversas representações de Marianne. Desde antes de 1889, as imagens da República eram abundantemente difundidas nos diversos jornais e revistas da época. Dentre as quais, destacavam- se a “Revista Illustrada”, “O Mequetrefe” (1885) e o “Besouro” (1878). Desses periódicos, a “Revista Illustrada” era, de longe, a que mais dava espaço às imagens da República, a exemplo da charge de Angelo Agostini: “Senhores de escravos pedem indenização à República” - publicada em 09 de junho de 1888, e foi nesta Revista a sua primeira representação personificada na figura feminina, publicada no dia seguinte à Proclamação.

Depois de 1889, a figura da Marianne, praticamente, não sairia mais das páginas das revistas. Alimentada pelos acontecimentos do cotidiano, as representações da República podem ser entendidas como uma espécie de crônica visual, ao menos no sentido que lhe atribui Antônio Cândido (1992).

Além de evidenciar a associação com a imagética revolucionária francesa, a “Marianne brasileira” cabia representar o cotidiano de um regime, que se esforçava para se fazer ver, dentre várias atividades como representante da Pátria: apareceu vencedora das urnas da Assembleia Constituinte. Em primeiro plano ela recebe das mãos de Deodoro da Fonseca a Bandeira Nacional, enquanto, ao fundo, o Imperador Pedro II acenava em despedida ao povo presente na sacada; o Conde d'Eu conduzia as crianças à lancha do Arsenal de Guerra ao lado da chorosa Princesa Isabel, que os levaria ao cruzador Parnaíba, depois ao Alagoas e ao exílio.

A composição do quadro é, totalmente, alegórica e não tem nenhum compromisso com a temporalidade dos fatos: importa o que ele representa e não a veracidade dos acontecimentos. A imagem da República extravasou, ou tentou extravasar, o círculo estreito dos dirigentes republicanos. O imaginário de uma figura que representasse o novo regime não ficou restrito ao Rio de Janeiro. Como a circulação de periódicos estava limitada às principais províncias, e as obras de arte laudatórias do novo regime, ficava restrita aos ambientes governamentais. A figura da República encontrou um meio de difusão mediante à moeda corrente, conforme podemos identificar no anverso da moeda de 500 Réis (1889).

Em Belém, capital paraense, numa área que se chamava Praça Pedro I, após a queda do Império, em 1897, foi inaugurado um monumento à República, erguido em comemoração à implantação do regime republicano no Brasil. O monumento em mármore e bronze é formando por um conjunto de esculturas, tendo Marianne, a Senhora Liberdade, com as insígnias revolucionárias da sua identidade.

No Rio de Janeiro, a Praça da República, conhecida pelos cariocas por Campo de Santana, exibe um monumento a Benjamin Constant, construído por Décio Villares, onde a “Senhora Liberdade” ocupa local altaneiro e de destaque. Assim como, no monumento a Floriano Peixoto, obra de Eduardo de Sá.

A cidade gaucha de Porto Alegre, também, poderemos avistar a “Senhora Liberdade” na Praça Marechal Deodoro, um monumento a Júlio de Castilhos, construído por Décio Villares.

Em verdade, Marianne passa despercebida nos mais diversos lugares. A falta de interesse pela cultura, pelo significado dos símbolos e o imediatismo dos tempos atuais fazem com que a maioria das pessoas passe alheia a quase tudo.

Uma versão gravada da pintura do quadro “A Liberdade Guiando o Povo”, junto a uma representação do próprio Delacroix, foi destaque na nota de 100 francos franceses, no início dos anos 90.



As cédulas de Real, em plena circulação no Brasil, são ilustradas por animais que estampam a face reversa das notas, como a arara, nas cédulas de R$ 10, o mico-leão dourado, nas de R$ 20, assim por diante. O que muitos ignoram é a razão da existência de uma moça, que aparece em todas as cédulas. Tal efígie, nada mais é que a ilustração da “Senhora Liberdade”, Marianne, a “Senhora da Maçonaria”, o símbolo da República Federativa do Brasil.

Se os maçons americanos podem ver a Maçonaria na cédula de dólar, através da imagem do “Olho que tudo vê”, os maçons brasileiros, também, o fazem através da efígie de Marianne.

Marianne é o arquétipo que insiste em nos alertar para que, jamais, calemo-nos frente aos impérios, sejam eles o da corrupção, do desperdício, da incompetência, da injustiça social, da improbidade, de todos os impérios que permitimos que se estabeleçam através da nossa omissão.



Segundo Abraham Lincoln, “ninguém é suficientemente competente para governar outra pessoa sem o seu consentimento”. Afinal, somente será digno da liberdade, como da vida, aquele que se empenhar em sua conquista e em sua manutenção! Atualmente, vemos com muito bons olhos o despertar da população brasileira, em busca de derrubar as bastilhas atuais, tão nocivas como as do século XVIII, clamando pela moralização do país e não se permitindo ser novamente colonizada, hoje, por um império de maus brasileiros infiltrados no poder, legitimamente, eleitos pelo nosso descomprometimento !



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